Durante a visita do Pontífice maior da Igreja Católica Apostólica Romana (
daqui em diante neste texto citada pela sigla ICAR) ao Brasil, fomos surpreendidos por sua declaração acerca do movimento evangélico, que recrudesce, não só no país, mas no mundo. A surpresa é o fato de se desenterrar do baú de epítetos, a designação seita, para referir-se às "madalenas enganadas" - o protestantismo e seus adeptos. É desnecessário esclarecer a origem do nome "protestante".
Porém acredito que seja útil uma breve explanação da palavra seita. É demasiado importante entendermos que algumas afirmações referentes ao movimento católico romano são arbitrárias, elas partem de pressupostos firmados naquilo que o Vaticano chama de "Tradição" (poderíamos falar desta questão em outra oportunidade, caso faça-se necessário). Estaremos listando-os, ao passo que explicaremos o que de fato está por trás de cada um.
* A ICAR é a única Igreja deixada por Cristo (errado) - Jesus, o Verbo de Deus, em Sua 'estada' conosco, não sugeriu a criação de nenhum sistema ou organização religiosos (Lc 11.20; 12.32; 17.21). O Reino de Deus é um projeto de comunhão, de amor, de paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17), que começa aqui (Jo 1.12) e desemboca nos céus (Jo 14.3).
* A ICAR é uma Igreja pré-existente na figura de Cristo (errado) - Se Cristo não é o fundador de NENHUMA religião, logo se segue que nenhum movimento religioso seja pré-existente, ou seja (como sempre declaram os mais desavisados), a ICAR foi a primeira Igreja. O Reino de Deus, embora comece aqui, como vimos, não é daqui (Jo 18.36; Hb 11.10,16). O surgimento do catolicismo é um processo sócio-político-religioso, como qualquer movimento terreno (inclusive o protestante). Com o edito de Milão, criado por Constantino (313 A.D.), a Igreja (e agora me refiro aos cristãos) passa a ter liberdade expressiva e sai do cenário de perseguição (mesmo que voltando posteriormente); mas é somente no ano de 380 A.D, sob Teodósio I, que o império romano celebra seu casamento com essa "organização" que, até então, fora defendida pelos apologistas, polemistas (contexto do nome católica) e pessoas que pagaram com seus bens, liberdade, e a própria vida. Tais pessoas não fizeram isso em nome de uma 'placa denominacional', mas porque criam na doutrina dos Apóstolos, da qual Cristo era o Rabi (mestre). A bem da verdade é que este casamento entre Estado e Igreja foi o maior fracasso da história humana, e que proporcionou o primeiro cisma dentro do cristianismo (movimento monástico e ascetismo).
* O Apóstolo Pedro é o fundador (pedra) e o primeiro Papa da ICAR (errado) - A confissão de Pedro em Mt 16.16 tem causado polêmica acerca de algo muito simples. Não na sua confissão, mas na resposta de Jesus no verso 18. O equívoco se dá na interpretação do jogo de palavras: Pedro (petros) e pedra (petra). A primeira significa o nome de Pedro (Jo 1.42), designando uma 'pedra solta' ou 'pedregulho', 'uma pedra que pode ser facilmente movida'. A segunda - pedra - fala do testemunho de Pedro acerca de Cristo e designa uma 'massa de pedra', uma 'rocha' (e.g. Mt 7.24,25; 27.51,60; Mc 15.46; Lc 6.48; Rm 9.33; I Co 10.4; I Pe 2.8 - este corrobora o contexto). Em nenhuma hipótese Pedro se intitula ser o fundamento da Igreja, algo que ele explica em I Pe 2.4-8; mas Jesus deixa bem claro que é sobre o testemunho de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo" que a Igreja seria edificada (desejamos colocar as coisas em seus devidos lugares - Mt 22.21). Ademais, Pedro, segundo a formulação católica, não poderia ser Papa, pela razão anterior (não existir sistema religioso) e por não atender tal formulação - o celibato (veja em Mt 8.14; I Co 9.5).
* A ICAR é a única intérprete infalível da Palavra de Deus (errado) - A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus (II Tm 3.16; II Pe 1.20,21), e Deus se revela a quem O busca (II Cr 7.14; Jo 14.26). Deus não é patente, nem direito autoral de ninguém. Ele é livre, eterno, soberano, gracioso e deseja que todos O conheçam (I Jo 5.20). Ninguém tem o direito de auto-intitular-se o 'exegeta de Deus' (Is 55.8,9; Rm 11.33,34; I Co 2.16a). Cumpre-nos a honrosa tarefa de examinarmos as Escrituras (Jo 5.39), com toda piedade possível (Ef 6.13-18), sabendo que é Deus, o autor, quem nos conduz à verdade (Jo 8.32,36; I Co 2.10-12). Podemos ser Seus instrumentos, pelos quais essa verdade será difundida (Mt 28.19,20). Assim, a declaração do Pontífice católico se volta contra ele mesmo, pois se existe uma característica nas seitas, essa é a falta de informações corretas ao seu público, informações estas destituídas de qualquer preconceito, interesses próprios, e subjetividades espúrias. Ademais, o conceito de seita foi muito bem formulado pelos apologistas e polemistas, até o terceiro século.
Na verdade, o contexto da secta surge dentro do contexto da haireses, onde o conceito das palavras ganha sua real tendência: é a Bíblia que determina o é seita ou heresia. Assim, é mediante e somente mediante o conceito Escriturístico, que podemos inferir o que seja uma seita (At 17.11; 18.28). Temos que ter a nobreza de nos desarmar de nossas pretensões, se de fato desejamos o conhecimento de Deus, para que não sejamos como meninos arrastados por toda sorte de vento de doutrina (Ef 4.14,15).
Autor: Pierre Arraes - Presbítero da Igreja Betesda em Juazeiro do Norte.