7 de setembro de 2007

O que é uma seita?

Durante a visita do Pontífice maior da Igreja Católica Apostólica Romana (daqui em diante neste texto citada pela sigla ICAR) ao Brasil, fomos surpreendidos por sua declaração acerca do movimento evangélico, que recrudesce, não só no país, mas no mundo. A surpresa é o fato de se desenterrar do baú de epítetos, a designação seita, para referir-se às "madalenas enganadas" - o protestantismo e seus adeptos. É desnecessário esclarecer a origem do nome "protestante".
Porém acredito que seja útil uma breve explanação da palavra seita. É demasiado importante entendermos que algumas afirmações referentes ao movimento católico romano são arbitrárias, elas partem de pressupostos firmados naquilo que o Vaticano chama de "Tradição" (poderíamos falar desta questão em outra oportunidade, caso faça-se necessário). Estaremos listando-os, ao passo que explicaremos o que de fato está por trás de cada um.
* A ICAR é a única Igreja deixada por Cristo (errado) - Jesus, o Verbo de Deus, em Sua 'estada' conosco, não sugeriu a criação de nenhum sistema ou organização religiosos (Lc 11.20; 12.32; 17.21). O Reino de Deus é um projeto de comunhão, de amor, de paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17), que começa aqui (Jo 1.12) e desemboca nos céus (Jo 14.3).
* A ICAR é uma Igreja pré-existente na figura de Cristo (errado) - Se Cristo não é o fundador de NENHUMA religião, logo se segue que nenhum movimento religioso seja pré-existente, ou seja (como sempre declaram os mais desavisados), a ICAR foi a primeira Igreja. O Reino de Deus, embora comece aqui, como vimos, não é daqui (Jo 18.36; Hb 11.10,16). O surgimento do catolicismo é um processo sócio-político-religioso, como qualquer movimento terreno (inclusive o protestante). Com o edito de Milão, criado por Constantino (313 A.D.), a Igreja (e agora me refiro aos cristãos) passa a ter liberdade expressiva e sai do cenário de perseguição (mesmo que voltando posteriormente); mas é somente no ano de 380 A.D, sob Teodósio I, que o império romano celebra seu casamento com essa "organização" que, até então, fora defendida pelos apologistas, polemistas (contexto do nome católica) e pessoas que pagaram com seus bens, liberdade, e a própria vida. Tais pessoas não fizeram isso em nome de uma 'placa denominacional', mas porque criam na doutrina dos Apóstolos, da qual Cristo era o Rabi (mestre). A bem da verdade é que este casamento entre Estado e Igreja foi o maior fracasso da história humana, e que proporcionou o primeiro cisma dentro do cristianismo (movimento monástico e ascetismo).
* O Apóstolo Pedro é o fundador (pedra) e o primeiro Papa da ICAR (errado) - A confissão de Pedro em Mt 16.16 tem causado polêmica acerca de algo muito simples. Não na sua confissão, mas na resposta de Jesus no verso 18. O equívoco se dá na interpretação do jogo de palavras: Pedro (petros) e pedra (petra). A primeira significa o nome de Pedro (Jo 1.42), designando uma 'pedra solta' ou 'pedregulho', 'uma pedra que pode ser facilmente movida'. A segunda - pedra - fala do testemunho de Pedro acerca de Cristo e designa uma 'massa de pedra', uma 'rocha' (e.g. Mt 7.24,25; 27.51,60; Mc 15.46; Lc 6.48; Rm 9.33; I Co 10.4; I Pe 2.8 - este corrobora o contexto). Em nenhuma hipótese Pedro se intitula ser o fundamento da Igreja, algo que ele explica em I Pe 2.4-8; mas Jesus deixa bem claro que é sobre o testemunho de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo" que a Igreja seria edificada (desejamos colocar as coisas em seus devidos lugares - Mt 22.21). Ademais, Pedro, segundo a formulação católica, não poderia ser Papa, pela razão anterior (não existir sistema religioso) e por não atender tal formulação - o celibato (veja em Mt 8.14; I Co 9.5).

* A ICAR é a única intérprete infalível da Palavra de Deus (errado) - A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus (II Tm 3.16; II Pe 1.20,21), e Deus se revela a quem O busca (II Cr 7.14; Jo 14.26). Deus não é patente, nem direito autoral de ninguém. Ele é livre, eterno, soberano, gracioso e deseja que todos O conheçam (I Jo 5.20). Ninguém tem o direito de auto-intitular-se o 'exegeta de Deus' (Is 55.8,9; Rm 11.33,34; I Co 2.16a). Cumpre-nos a honrosa tarefa de examinarmos as Escrituras (Jo 5.39), com toda piedade possível (Ef 6.13-18), sabendo que é Deus, o autor, quem nos conduz à verdade (Jo 8.32,36; I Co 2.10-12). Podemos ser Seus instrumentos, pelos quais essa verdade será difundida (Mt 28.19,20). Assim, a declaração do Pontífice católico se volta contra ele mesmo, pois se existe uma característica nas seitas, essa é a falta de informações corretas ao seu público, informações estas destituídas de qualquer preconceito, interesses próprios, e subjetividades espúrias. Ademais, o conceito de seita foi muito bem formulado pelos apologistas e polemistas, até o terceiro século.
Na verdade, o contexto da secta surge dentro do contexto da haireses, onde o conceito das palavras ganha sua real tendência: é a Bíblia que determina o é seita ou heresia. Assim, é mediante e somente mediante o conceito Escriturístico, que podemos inferir o que seja uma seita (At 17.11; 18.28). Temos que ter a nobreza de nos desarmar de nossas pretensões, se de fato desejamos o conhecimento de Deus, para que não sejamos como meninos arrastados por toda sorte de vento de doutrina (Ef 4.14,15).

Autor: Pierre Arraes - Presbítero da Igreja Betesda em Juazeiro do Norte.

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